segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quem viver verá se não foi em vão

Moro no Rio de Janeiro. Nasci aqui, mas passei a maior parte da minha infância e adolescência em Minas, então me sinto uma mineira que mora no Rio. Olho a cidade com deslumbre e estranheza de quem vem de fora. Ao lado da mata e da praia, o mar de favela.

Já subi morro na zona Sul carioca, num projeto de educação ambiental, e fiquei espantada com a naturalidade com que os moradores da comunidade conviviam com o tráfico, a sujeira, a violência. Ao pé da escada, um grupo de jovens armados. Me aconselharam: "Entra sem olhar, cabeça baixa", ou podíamos comprometer a realização do projeto com as crianças. Um porco passou pela ruela, ao lado de um menino descalço, quase pisando no esgoto. Eu pensava cá com meus botões: não seria mais digno morar num bairro simples, distante, mas com infraestrutura? Uma moradora, do alto da favela, olhando mar e céu, me respondeu: "Mas e essa vista? No subúrbio não tem. E o trabalho fica aqui pertinho, tem praia, tem shopping." Existe uma lógica nessa sobrevivência que eu nunca entendi.

Nunca mais subi a favela. O projeto acabou, eu toquei minha vida. Muito tempo depois soube pela imprensa que havia sido pacificada, é uma das comunidades com UPP. Às vezes passo de carro por lá e imagino: onde está a moradora que ficava na janela? e o menino descalço, cresceu e virou rapaz do bem?

Quem viver verá se não foi em vão.