quarta-feira, 25 de junho de 2014

A historinha do Zé

O Zé não tinha nada de especial. Mas era esperto e tinha ambição. O pai era meio matuto mas besta que só e criou pra si mesmo um apelido de Sir, como o dos lords ingleses. O Zé que não era bobo se empertigou na vida e foi fazendo tudo certo: os amigos certos, andando com gente que tinha posses e poder. Tão bom ficar encostadinho na fartura de outro. Aí o Zé deu um jeito de entrar no serviço público e virou político. Em terra de cego - e a terra do Zé tinha carência de tudo - ter um olhão gordo como o dele pode levar a pessoa muito longe. E não é que levou? O Zé foi subindo na vida, galgando com artimanhas e maracutaias, alianças e indecências o caminhozinho longo até o cume. Chegou à presidência da República. É. Vestiu o fardão da Academia Brasileira de Letras. Acredite. Ano após ano, cercado de gente que quer seu ganha pão fácil e pela ignorância dos que não têm nada, eleição após eleição, se manteve no alto, nas fotos dos poderosos, indenpendente de quem lá estivesse - militar ou civil, democrata ou comunista. Não importa a ideologia, importa o poder. O Zé fez 84 anos, resolveu que estava na hora de parar. Já tinha deixado uma riqueza tão grande pra família que duraria gerações. Os filhos todos envolvidos nos esquemas e quase tão poderosos como ele. O Zé rodeado de fartura - mansões, ilhas, prêmios, arte - naquela mesma terra, tadinha, onde o povo pode dizer que "farta" tudo. Um dia o Zé morre. É imortal de fardão, mas morre. E na finitude humana dele, vai ter que prestar conta - com Deus? com a História?


terça-feira, 24 de junho de 2014

Sobre implicâncias e chatices

Ser mãe tem desafios diários. Eu, pelo menos, boto minha capa de heroína e tento resolver as coisas da melhor forma. E, como reles humana, quebro a cara muitas vezes. Exemplo recente: o que fazer quando a filha de 11 anos conta das chacotas de uma colega de classe?

Dá vontade de tirar satisfação, rodar a baiana na escola, confrontar a família da agressora? Sim, dá sim. Mas dá e passa. Porque mãe que é mãe tem que ter a cabeça no lugar e (tentar) agir de forma sábia. Pelo menos esse é o meu lema.

Então eu converso e mostro que apelidos, implicâncias e chatices assim são a coisa mais comum do mundo escolar, acontece com quase todos nesta fase da vida e aos poucos vamos aprendendo a ser menos agressivos, mais solidários, menos competitivos e carentes - e mais fraternos. Será? É o que espero.

Explico que o mundo não é o ninho de afeto e acolhimento em que ela vive em casa. Que a vida pode ser dura, às vezes cruel, e muita gente com quem esbarramos no caminho é assim - uma pedra inoportuna que tem que ser enfrentada de alguma forma. Cada um descobre a sua forma - mas não adianta fugir da pedra, ela fica lá, à sua espera.

Criar menina, neste aspecto, talvez seja mais difícil do que ter um filho. Porque os meninos resolvem às vezes suas diferenças no braço, sem culpa; ou numa partida com bola, em campo. A agressividade é extravasada mais naturalmente. Meninas, não. Sabem ser cruéis com um sorrisinho no rosto, buscando popularidade e aceitação no grupo. Sei do que estou falando: já fui menina, acredite.

Muitas vezes, por trás do valentão da escola, da gatinha cruel e popular está uma história familiar complicada, uma trajetória de violência e abandono - ainda que cercada de luxo e consumo.

Filhote humano se lança fora do ninho e descobre que colega não é amigo; que convívio diário não é lealdade. Faz um voo curto e se machuca um pouco. Fazer o quê? Vamos cuidar dessa asa e rir um pouco disso tudo que é a vida.